quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A VIDA DE BUDA, A VIDA DO SER HUMANO

Esta é a estória de um monge. Ela nos diz porque o Buda se tornou um monge, dos grandes sofrimentos que ele passou e de seu grande iluminamento. Embora este monge tenha vivido 2 500 anos atrás, esta estória não é simplesmente história. Se assim fosse, não assumiria hoje relevância a todos aqueles que se aprofundam para a busca de solução para os problemas mais vitais.
Deixe-nos agora contar a estória e ver como podemos ir além da mera estória de um homem há muito morto.

“2 500 anos atrás uma criança nasceu, o filho de um rei na India. Em seu nascimento, profetas prognosticaram que ele se tornaria um rei ou um monge. Seu pai, não desejando que seu filho suportasse o flagelamento de uma existência ascética, e querendo a continuidade de sua linhagem real, protegia a criança dos problemas da vida dando a ela todos os prazeres que dinheiro pudesse comprar.
A criança chamada Sidarta Gautama cresceu e se tornou um homem realizado, hábil nas artes e ciências de seu tempo. Ainda jovem casou-se e teve um filho. Mas Sidarta crescera atormentado, insatisfeito e se sentia limitado pelos prazeres que seu pai o cercava e desejava saber mais da vida que aquela limitada pelas paredes das vilas em que vivia. Ele convocou seu criado e penetraram no mundo rude e confuso do homem comum, e neste mundo encontraram “um homem doente, um homem idoso e um homem morto.”

Ele se chocou com os encontros e pediu a seu criado para explicar-lhe o significado. Este lhe disse que isto acontecia a todos e que ninguém poderia escapar de qualquer dos três. Sua mente se perturbou, e confuso e perdido ele teve um encontro posterior – desta vez com um monge. Vendo a profunda serenidade e paz de espírito deste homem, Gautama votou por se tornar um monge.
Uma noite ele se despediu de sua esposa e filho enquanto dormiam e refugiou-se na floresta para tornar-se um asceta peregrino, cortou seu cabelo simbolizando o rompimento com as relações mundanas. Então estudou com os sábios da floresta, mas após aprender o que eles ofereciam, ele ainda se sentia insatisfeito e sem calma. Ele peregrinava e encontrou alguns ascetas e se juntou a eles e praticava todas as práticas austeras. Ele jejuava e infligia toda espécie de tormentos sobre sua pessoa. Ao fim e próximo à morte, ele lembrou de um tempo em que ele via seu pai e os camponeses lavrarem a terra. Naquele momento ele se sentiu uno com a dor e o sofrimento do mundo. Lembrando como esta experiência abria as portas para uma consciência mais profunda do Um e do Todo, ele resolveu desistir de sua prática ascética, a qual poderia levá-lo somente à morte e procurar reviver esta Unidade.
Nesse mesmo momento uma garota, Nabadala, a pastora, passava por perto e vendo Sidarta fraco por falta de alimento, deu a ele leite de cabra para beber. Recuperado, Sidarta foi embora procurando um lugar adequado para meditar. Ele veio até uma árvore de nome Bo. Sotya, um cortador de grama deu-lhe um pouco de grama para sentar-se, Sidarta tomou a grama e espalhou-a sob a árvore. Então, sentando, ele fez o voto: “Pode minha carne secar e cair de meus ossos, podem meus ossos se esmagar, ainda assim eu não mexerei desse assento até que eu atinja completo iluminamento”. Então durante a longa noite ele foi tentado por Mara. Ao amanhecer, ele contemplou a estrela da manhã; então ele se sentiu completamente iluminado e exclamou “maravilha das maravilhas, todos os seres são dotados de Natureza Búdica.”
Como devemos interpretar esta estória? Como um relato histórico ou biográfico da vida de um monge? Ou tem ela algum outro valor? Sidarta Gautama que se tornou Buda Shakyamuni foi sem dúvida um homem admirável. Sozinho ele estabeleceu uma grande revolução espiritual que veio a transformar India, Tibet, China, Sudeste Asiático, Coréia, Japão e agora quem sabe a América também. Mesmo após 2 500 anos, seus ensinamentos são ainda vivos e, muitos dirão, o único caminho válido para se safar do estupor tecnológico e encontrar o Todo e seu significado. A estória da vida de tal grande homem deve ser interessante, cheia de drama e talvez muito inspirante. Ela pode se tornar matéria de pesquisa e estudo. Mas, no fim, se isto é tudo que é a estória de um grande homem, não teria ela ainda assim um valor limitado?
O grande e fundamental ensinamento do Budismo é que tudo é Um – não há Outro. Este Uno é o objetivo, os meios e a consequência. No Uno nós começamos a jornada, no Uno nós continuamos e no Uno nós terminamos. Não-divididos, sempre em casa, nós não obstante somos cativados pelas ilusões que nascem das ondas da mente, e neste cativeiro nossa Unidade é aparentemente destruída, como o reflexo da lua é dispersado pelo vento na superfície de um lago.
As últimas palavras de Buda para seus discípulos foram: “Sede ilhas dentro de vós mesmos, sede um refúgio para vós mesmos, não tome para vós qualquer outro refúgio. Vede a verdade como uma ilha, vede a Verdade como um refúgio. Não procure refúgio em ninguém outro mas em vós mesmos.”
É tornando-se um refúgio para si mesmo, não procurando a Verdade do lado de fora e deixando passar a miragem do Outro que os ventos se extinguirão e este Todo se torna aparente.
Isto sendo o caso a simples estória de um grande homem é de pouco valor. Realmente, por maior que seja sua Verdade e sábio seu ensinamento, se ele for exaltado e adorado, isto em si mesmo pode se tornar a maior e mais impenetrável barreira, bloqueando a própria liberdade que é ensinada. Procurar imitar o “Buda” ou tentar ser como o “Buda”, seria como cortar nossos pés quando aprendemos a caminhar, ou retirar nossos olhos quando tentamos ver. Colocar o Buda num pedestal, vendo-o como o único entre os homens, incomparável, do outro mundo, é abrir um abismo de profundidade insondável no próprio chão em que pisamos. Religião é considerada por muitos ser um porto ou refúgio para protegê-lo das tempestades da vida. Uma cantata diz em triunfo: “Uma poderosa fortaleza é nosso Deus”: mas este não é o caminho do Zen.
Com isto em mente alguém pode perguntar, qual é então o valor desta vida de Shakyamuni? Você que realiza iluminamento será capaz de dizer: “Se aparecerem o Honorável Shakyamuni e o Grande Bodhidharma, eu os cortarei instantaneamente, dizendo: Por que você vacila? Você não mais precisa deles.” Com tal objetivo em vista porque se preocupar sobre esta estória?
É porque a vida de Gautama é a vida de todo homem, de você e eu, seja homem ou mulher. Nisto está a grande inspiração.

“2 500 anos atrás uma criança nasceu, o filho de um rei.”

Há uma parábola contida em ambos o Sutra do Lótus do Budismo e o Novo Testamento do Cristianismo. Ela é lida como segue: “Era uma vez um filho de um rei que deixou sua casa e viajou para longe. Peregrinando ele gradualmente perdeu todas memórias de suas origens. Ele passou tempos duros e tornou-se um mendigo. Para sobreviver ele seguia os porcos que pertenciam aos outros, dividindo os pedaços de frutas e cascas que eram dados a eles. Um dia, no fundo de seu desespero e miséria veio a imagem de quem e do que ele era, de repente se tornou viva uma força que o compelia em sua vida. Ele abandonou os chiqueiros e voltou para casa de seu pai.”
Cada um de nós é o filho ou filha de um rei e cada um é o herdeiro de um reinado, o qual não é menor que o Universo completo. O rei é a verdadeira natureza de cada um de nós e todos vagamos longe de nosso verdadeiro lar. Nossa verdadeira natureza é nossa natureza búdica. “Buda” significa acordado e implica “conhecer” a si mesmo. Porque não há “Outro”, porque desde o começo das coisas nós não conhecemos qualquer coisa, porque conhecer e ser não são separados, não há nada a conhecer e nada está do lado de fora: nós somos completos, esta própria mente é Buda. O mundo inteiro é um reinado e todo mundo é rei.

“Em seu nascimento, homens sábios previram que ele cresceria para se tornar um rei ou um monge”

Nós não somos um, nós somos dois, embora estes dois sejam como a face de uma mesma moeda , a qual é um único todo. Ao nascer, nós temos a potencialidade de ser um rei ou um monge, e a batalha básica que nos atormenta nossas vidas está entre estas duas faces. Quando nós alcançamos o mundo exterior, alguma coisa dentro é negada. Quando nós introspectamos, nós sentimos o desperdício de tempo e nos sentimos desconsolados. Nós atingimos um ponto onde não importa o que sentimos, nós devemos estar fazendo alguma coisa. Um dos mais pungentes e penetrantes sentimentos que abundam é como está passando a vida. Aqueles que estão atribulados nos afazeres da vida almejam um mundo de solidão, paz e tranquilidade. Aqueles que vivem afastados do mundo almejam por ação e ocupação. Enquanto o rei caça e mata outros tipos de ser, o monge vive distraído, encolhido por falta de alimento e luz do sol; enquanto o monge penetra cada vez mais no reino do conhecimento e maravilha, o rei consome-se flácido e coluna caída, seu vigor gasto, seu espírito aventureiro temeroso e hesitante. É como se ao nascer, nós fôssemos mortalmente feridos.

“Seu pai, não querendo que seu filho suportasse as agruras da vida ascética e querendo assegurar a continuidade de sua linhagem real...”

Este é o papel que os pais assumem: protetores. Um bebê nasce, é fraco e sem ajuda, mas dotado por natureza com uma arma mortal – o sorriso. Nós podemos levar uma vida errante, dissoluta e não ligar muita atenção a nada. Nos casamos e então um bebê nasce. A princípio é como um vegetal – úmido. Mas com seu sorriso ele prende a vida inteira de pai e mãe. Eles trabalham e sofrem para manter aquele sorriso. O sorriso que faz o mundo inteiro radiante. O sorriso de uma criança é algo perfeito e através dele nós vislumbramos nossa verdadeira natureza, nossa vida no Uno.
É natural que Sudhodana, o pai de Sidarta, quisesse proteger seu filho de uma vida de privação e ascetismo. Não há sofrimento maior que o sofrimento de ver o sofrimento de nossa própria criança. Nosso sofrimento nos faz lutar e usá-lo como uma fonte de energia, transmutando. O sofrimento de nossa esposa é pior mas nós podemos conversar juntos, consolar e encorajar ou juntos passear no vale. Mas quando a criança estarrece em dor, muda e paciente, embora perplexa e com medo, o que fazer? Como fazer voltar o sorriso? A pessoa se preocupa quando ela some, quando ela faz alguma coisa errada, alguma coisa boba, se ela cai nos mesmos buracos ou sobre as mesmas pedras como antes ele mesmo fizera. “Sua criança crescerá para ter sucesso, ser forte e admirada por todos, numa posição de grande poder – ou ele não será nada, desconhecido, pobre e ridículo e humilhado, procurando por aquilo que os imortais não podem achar.” É natural que Sudhodana não quisesse o seu filho um asceta.

“Ele protegeu a criança dos problemas da vida dando a ela todos os prazeres que dinheiro pudesse comprar.”

Esta é a grande tragédia: no grande amor que nós temos por nossas crianças, nós não as deixamos sofrer. Nós dissipamos com elas tudo que possamos adquirir e a criança mais cedo ou mais tarde vai nos detestar e acusar por isto. O problema é que ela está certa: uma vida sem conhecer o sofrimento, uma pessoa que vive na pretensão que dor e ansiedade, humilhação, medo, desespero e culpa, doença e morte, são acidentes ou a presença de alguma força malevolente, é na melhor hipótese uma meia vida, meia morte. Nós corrigimos nossa falta dando à criança o que ela quer. Nossa sociedade toda é assim. Nós somos como crianças que agora se viram e detestam os pais que lhes deu drogas para protegê-las das dores da vida, que fez da morte um fantasma irreal; que nos ensinou sonhos technicolor em caixinhas que podem ser ensaiados nos quartos em camas confortáveis; que nos provê de laranjas e bananas e mel durante todo o ano; que nos dá rodas para rodar e asas para voar às praias e sol e prazer e mar. Realmente nós temos todos os prazeres que dinheiro possa comprar. A tragédia é que a tragédia é sem fim e praticada em nome do amor.

“A criança chamada Sidarta Gautama cresceu e se tornou um homem realizado, hábil nas artes e ciências de seu tempo.”

Uma das crenças mais comuns entre aqueles que não praticam uma religião é que aqueles que o fazem são sobremaneira incompetentes. Eles são considerados alienados que procuram religião como uma fuga, como uma forma de escapar dos lados ásperos da vida com os quais eles não conseguem lutar. Sem dúvida há muitos que usam religião como fuga. Mas há muitos outros que usam trabalho, sexo, amizade, de fato qualquer coisa como um escudo contra a dor de suas vidas. Mas porque alguns fazem assim não significa todos. Porque alguns trabalham para evitar encarar certos problemas, isto não pode ser generalizado. Está claro nas estórias da vida de Shakyamuni que ele não fugia à luta.
Contudo, ao mesmo tempo, nós devemos ser cuidadosos em não cometer o erro de acreditar que atitudes e habilidades como o mundo conhece sejam requisitos para “progresso” no caminho espiritual, nem que eles sejam o resultado de trabalho sobre si mesmo. Nossas aptidões e habilidades são dados a nós – eles desdobram como a pétala de uma flor que se abre. As vezes as circunstâncias são corretas e tudo flui e nós gostamos de crer que fomos os autores. Outras vezes nada vai bem. Nós nos esforçamos, trabalhamos, suamos mas nada se ajusta e tudo se mantém aparte. Então nós preferimos acreditar que fomos vítimas de um destino sobre o qual não temos controle.

“Ainda jovem casou-se e teve um filho.”

Então o ciclo está completo. Começando como criança, agora é pai. Começando como protegido, agora torna-se protetor. A roda da vida é inexorável, ela gira e nós presos a ela giramos também.
Alguns dizem que em seu nascimento, Buda estava consciente que ele tinha uma grande missão a cumprir e sua vida de jovem foi vivida em plena consciência desta missão. Mas os fatos sugerem outra coisa. Gautama casou – ele seguiu o caminho de todos os homens. Ele casou por todas as razões que homens e mulheres se casam e quando ele casou ele provavelmente acreditou que no casamento ele alcançaria felicidade finalmente.
É verdade que às vezes é difícil que riqueza e contentamento sejam bem relacionados um com o outro. “se somente eu tivesse mais dinheiro”, “uma casa diferente”, “um melhor emprego”, “uma esposa mais compreensiva”, “mais roupas”... a lista é interminável. A Bernard Shaw é reputado ter dito que o valor de uma educação universitária é que ela nos mostra que não se perdeu nada não a tendo feito. O mesmo pode ser dito com relação a riqueza. Alguém pode estar podre de rico e ainda sentir falta de dinheiro; alguém pode ter um bom emprego e ainda reclamar; pode ter feito um bom casamento com lindas crianças e ainda sentir solidão. Tudo isto nós já vimos. Nós temos visto que sempre e sempre quando entramos num estado de ilusória promessa de satisfação e ainda somos traídos pelo próximo sonho de que somos vítima.

“Mas Sidarta crescera atormentado, insatisfeito e se sentia limitado pelos prazeres que seu pai o cercava e desejava saber mais da vida que aquela limitada pelas paredes das vilas em que vivia.”

É dito que se a natureza é atirada pela porta da frente, ela retorna pela janela. É tolo crer que nós podemos proteger a nós mesmos ou a outros do sofrimento da vida. Aconteceu a um negociante ouvir falar que Yama – o Deus da morte – viria até ele no próximo dia. O homem começou a tremer e suar e esfregar suas mãos, sem saber o que fazer. Eventualmente ele encontrou uma solução. Se Yama viesse até ele, então ele sairia quando Yama fosse vir. Ele viajaria para um país distante e se ocultaria entre o povo de lá e Yama nunca o encontraria. Assim ele comprou as passagens de avião, tomou o vôo e breve ele estaria no meio da multidão do país para o qual fugira. Quando ele penetrou na multidão, ele olhou em frente e vindo em sua direção com um largo sorriso, era Yama. “Ah! Você está aqui”, disse Yama, “Nós temos um encontro para hoje e eu pensava em como chegar em sua casa a tempo. Agora você está aqui!”
Os melhores planos concebidos por ratos e homens frequentemente vão abaixo, como Robert Burns diz. Não porque haja alguma coisa inerentemente errado com o plano. Os ratos que Burns encontrou no campo tinham escolhido o lugar perfeito para seu ninho e construíram o ninho com o maior cuidado. Mas havia outro plano, o fazendeiro queria colher sua safra e assim fazendo destruiu o ninho do rato e seu plano.
Cada um de nós é sujeito a seu próprio karma, isto é sujeito à totalidade de forças que o coloca em movimento, instante por instante, em cada ato, escolha e decisão que fazemos. Há uma lei inexorável que é maior que qualquer esforço que nós fazemos sobre nós próprios ou sobre outros para subvertê-la. Pois tudo tem uma causa e para cada causa há um efeito.

“E ele cresceu sem paz.”


Inquieto, a sarna coçando. Quanto mais se coça a ferida, pior fica. Esta falta de paz é precursora da investigação real. No fundo de nós mesmos alguma coisa mexe. Nos admiramos que nem todos são iguais. Valores que amávamos, atividades que gostávamos, idéias, tudo se reduz a pó e cinzas. Esta inquietação gera pânico e nós vemos coisas que nós superestimávamos antes. Elas se apegam a nossos olhos e nós não as podemos ocultar mais. Para o momento, elas são Realidade, enquanto tudo o mais são sombras que mexem.

“Ele convocou seu criado e penetraram no mundo rude e confuso do homem comum, e neste mundo encontraram “um homem doente, um homem idoso e um homem morto.”

Doença, velhice e morte – a inevitável sorte de todos. Como podemos tentar livrar-nos desses espectros! Nós gostamos de pensar que estes são acidentes que ocorrem aos outros. Doença é uma interrupção na vida, alguma coisa para a qual não temos tempo. Velhice nós descartamos com cosméticos, exercícios, planos e otimismo. A morte pode ser enterrada sob elaborados rituais, acessórios caros, belas flores. Mas estes três ainda podem pôr suas mangas de fora – um colapso aqui, uma dor ali e admiraremos o pescoço vermelho de Yama.
Na idade dos 40, muitos fazem coisas bobas: abandonam empregos seguros e começam novas carreiras; eles se divorciam, desenvolvem estranhas neuroses, alguns mesmo morrem. Por anos eles evitaram um encontro com o trio apocalíptico, andando a pé, ginástica, fazendo tricô: planos, objetivos, hipotecam o futuro até que se esgote o tempo...

“Finalmente ele encontra um monge peregrino.”

Quê encontro! O monge tivesse outra rota e quão diferente a história do mundo teria sido. Mas este encontro tinha sido determinado antes de seu tempo: era o karma de Buda – nosso karma.
O pior sofrimento é sofrer sem sentido. O sofrimento de vacas, cavalos, cachorros, elefantes, crocodilos, isto é terrível porque sem sentido. Mas sofrimento em seres humanos pode ser seguido por um encontro com um monge, um homem santo, com um homem que desistiu de tudo na certeza que ele encontraria a verdade. Sofrimento prepara o caminho para o encontro, o encontro com o monge é inevitável porque o monge não é outro que o chamado de nossa verdadeira natureza.

“Uma noite ele se despediu de sua esposa e filho enquanto dormiam e refugiou-se na floresta para tornar-se um asceta peregrino.”

Este foi o caminho usado na Índia e ainda é seguido nos nossos dias. Como exemplo disto, J.G.Bent, um matemático britânico, filósofo e estudante de Gurdjieff, relata seu encontro com Shivapuri Baba, um asceta indiano que morreu em 1 950 com 132 anos. Shivapuri deixou sua casa aos 18 anos e permaneceu na floresta por 25 anos, sozinho, até obter um grande iluminamento. Incidentalmente após seu iluminamento ele se reabilitou na sociedade e então na idade de 60 anos viajou pelo mundo e visitou um grande número de pessoas eminentes da época.
Ramana Mararhi, na idade de 17 e após um grande acordar também deixou a casa de seus pais para viajar para o Monte Arunachala, onde ele permaneceu para o resto de sua vida.
Mas estórias como estas devem ser entendidas muito cuidadosamente. Não é apenas uma questão de abandonar mulher e família ou pai e mãe. Algumas pessoas que não compreendem a intenção e estado de mente do Buda, se admiram como um ato de irresponsabilidade pode ter um resultado de valor. A lei do karma rege que de uma má ação, o mal mais cedo ou tarde fluirá. Mas a ação do Buda estava de acordo com seu karma. Sua família e esposa estavam preparados. Pessoas que se preocupam em abandonar seu lar ou emprego ou começar de novo, mais provável não estarem preparados para o ato.
Mas não é o fato de deixar casa que é mais importante. É o ato de renúncia. Para começar seriamente um caminho espiritual é de importância que se “renuncie ao mundo”. Isto pode ser feito mesmo sem óbvia mudança na rotina ou atividade. O voto de renúncia é realizado quando se vê inequivocamente que o “mundo” e tudo o mais que o compõe não vale um décimo das coisas do espírito. A pessoa então se vê nua e só, quando observa o mundo. William James diz que o caminho religioso começa com um grito de socorro. O momento de renúncia pode ser um momento terrível e se se sente fraco só então se grita por ajuda.

“Então estudou com os sábios da floresta, mas após aprender o que eles ofereciam, ele ainda se sentia insatisfeito e sem calma.“


Seus mestre foram Alara Kalama, Rama e Udaka. O primeiro, Alara, ensinou um caminho para se alcançar o reino do Vazio, mas não mais. Rama ensinou ao Buda a ir além, ao reino onde não há percepção e Udaka levou-o um pouco mais longe. “O Reino do Vazio” e “O reino onde não subsiste percepção”, são ainda no reino da consciência e forma, eles ainda estão baseados em alguma coisa que conheça o vácuo ou que vá além das percepções. Há muitas formas de meditação as quais nos levam para fora de nós mesmos, para assim dizer. Algumas requerem grandes disciplinas e esforço. Mas liberação é verdadeira somente quando se manifesta na nossa vida diária. “Qual é a Verdade?, perguntaram a Joshu. “Quando estou com fome, eu como, quando estou cansado, eu deito”. Estados de mente que são exaltados, cheios de glória, luz e hosanas são um pico mental que de repente mergulha ao fundo. Estados físicos atingidos tenazmente em silêncio e isolamento são simplesmente ginástica mental e assim como a prática de ginástica física não leva a paz final, assim levitação e outras são sem valor para a Grande Liberação.

“Ele peregrinava e encontrou alguns ascetas e se juntou a eles e praticou todas as práticas austeras.”

Gautama praticou por seis anos e atingiu um ponto em que comia apenas um grão de arroz cada dia.
Zazen praticado sem a orientação de um mestre experiente pode degenerar numa foma de ascetismo. Há o seguinte mondo entre Nangaku e Baso:
Nangaku observou Baso praticando zazen e perguntou a ele o que estava fazendo. Baso replicou que ele tentava se tornar um Buda. Nangaku pegou uma telha e começou a amolá-la com uma pedra. Desta vez Baso perguntou a Nangaku o que ele fazia. Nangaku disse que a estava polindo para torná-la um espelho.
“Como pode você polindo a telha fazê-la um espelho?”, Baso pergunta.
“Como pode você sentando tornar-se um Buda?”, retorquiu Nangaku.
Baso então pediu: “Que devo eu fazer então?”
Nangaku respondeu: “Se você dirige uma carroça e ela não segue, você chicotearia a carroça ou o boi?”
Baso não respondeu.
A moral da estória não é como muitos acreditam, abandonar o zazen, mas evitar usar o zazen como forma de ascetismo.


“Ao fim e próximo à morte, ele lembrou de um tempo em que ele via seu pai e os camponeses lavrarem a terra. Naquele momento ele se sentiu uno com a dor e o sofrimento do mundo.”

O iluminamento antes do iluminamento. O repentino gosto de liberdade que se estabelece por um momento, depois foge como um pássaro assustado. Ele se manifesta em várias situações: numa tarde, num feriado, ouvindo música, se apaixonando, num momento de intensa amargura, na doença. Ele vem... e vai. É tão familiar e nos prende a respiração no seu frescor. Se vê a existência num flash mas é bastante. O dia virá em que este encontro amadurece e como uma veia na pedra age como um guia e mais e mais nossas tendências tomam uma só direção até que somos compelidos por uma força irresistível a procurar o acordar.

“Lembrando como esta experiência abria as portas para uma consciência mais profunda do Um e do Todo, ele resolveu desistir de sua prática ascética, a qual poderia levá-lo somente à morte e procurar reviver esta Unidade.”

Este é um grande momento. Com um toque de verdade tudo se torna tão simples e óbvio. Tão frequentemente nós ouvimos “desista de seu esforço” “não perturbe a mente” “apenas ponha abaixo sua carga”, mas tão frequentemente nós adotamos técnicas, caminhos, nós tentamos isto ou aquilo. É abandonando tudo, pelo sacrifício total de tudo, mesmo pelo que prezamos mais – nossa prática de disciplina espiritual – que nossa intuição mais profunda pode ser acordada e através desse despertar o véu da dualidade será penetrado.

“Nesse mesmo momento uma garota, Nabadala, a pastora, passava por perto e vendo Sidarta fraco por falta de alimento, deu a ele leite de cabra para beber. Recuperado, Sidarta foi embora procurando um lugar adequado para meditar. Ele veio até uma árvore de nome Bo. Sotya, um cortador de grama deu-lhe um pouco de grama para sentar-se, Sidarta tomou a grama e espalhou-a sob a árvore.”

Kapleau nos Três Pilares do Zen diz, “Você pode confiar nisto: uma vez que você entrou no caminho de Buda com sinceridade e zelo, bodhisatvas aparecerão no seu caminho para ajudá-lo.

“Então, sentando, ele fez o voto: “Pode minha carne secar e cair de meus ossos, podem meus ossos se esmagar, ainda assim eu não mexerei desse assento até que eu atinja completo iluminamento”.


Uma narrativa desta passagem diz que “ele sentou de pernas cruzadas numa postura imbatível, da qual nem mesmo a carga de cem raios o teria desalojado”. Este é o momento supremo. Com tal resolução que poderia estar errado? Não apenas o corpo estava imóvel, a mente também. Corpo/mente como pedra. Pensamentos como moscas atacam esta resolução em vão. O mundo inteiro transparente. Mesmo quando se senta no meio da confusão e barulho, nada mexe, nem mesmo a consciência de que nada mexe.

“Então durante a longa noite ele foi tentado por Mara.”

Mara é o demônio. A palavra Mara é derivada de sânscrito Mri: Morte. Os filhos de Mara são: capricho, alegria e lascívia; suas três filhas: descontentamento, prazer e sede. Os nomes das filhas em sânscrito são Rati, Arati e Trsna. Rati significa delícia sexual ou sensual. Arati quer dizer frigidez. Trsna é sede, a insaciável.
Aqueles que têm sentado em sesshin ou alguma prática séria são familiares com Mara. Os medos sem conta; as brincadeiras oferecidas por um intelecto ocioso; o rir e gritar; a beligerante frustração; a aridez seca; as imagens sexuais; o querer não importa o que, apenas querer...
Não importa a hora, é sempre noite quando se encontra com Mara. A incansável persistência de Mara rompendo as resistências, retirando as barreiras, seduzindo aos atalhos, à inconsequência, é como um exército demoníaco destruindo a imperturbabilidade da mente no Uno.

“Ao amanhecer, ele contemplou a estrela da manhã; então ele se sentiu completamente iluminado e exclamou “maravilha das maravilhas, todos os seres são dotados de Natureza Búdica.”

Para o Zen Budista este é o coração da estória da vida de Buda. Este é o grande milagre – o retornar ao Uno. É o círculo completado. O acordar de uma pessoa é o acordar do universo todo: se alguém pode acordar, qualquer e qualquer coisa sensível pode acordar.
Zen Budistas veneram Shakyamuni Buda porque ele foi uma pessoa notável e através de seus grandes esforços e resolução inquebrantável ele abriu um caminho e ensinou o caminho a todos que o quisessem ouvir. Central ao caminho é o acordar e a integração do acordar na vida diária. A veneração de Shakyamuni portanto também significa abrir-nos para a grande possibilidade de acordar. Ler a estória simplesmente como a narrativa da vida de um grande homem seria perder a essência; lê-la apenas como uma afirmação do despertar seria perder o fato.

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